Arquivo para novembro, 2010

De Meninas Finas e de Bons Traços

Posted in Crônicas on 29/11/2010 by The Dude

Conversar com uma amiga a respeito de jovens meninas e suas concepções de beleza me fez pensar que a história do ideal de magreza pode ter lá suas origens na história da literatura.

Olhem só:

Há muito tempo atrás, lá pelos idos do século dezessete, o ideal de beleza era o macio. As mulheres mais redondas, rechonchudas eram o glorioso estandarte do imaginário masculino. As mulheres abastadas que podiam pagar um bom alimento e o estilo de vida sedentário da aristocracia lhes permitia acumular as curvas e as dobras abundantes, muito bem representadas nas pinturas de Rubens.

À vista do século dezenove, mais ou menos coincidindo com a revolução industrial e ascensão definitiva da classe média, o homem sustentar uma mulher que não tinha a capacidade física para o trabalho era moda, costume e até uma obrigação. Era um símbolo de status para o homem, um sinal de riqueza e pompa, sua esposa ser fina, frágil e gorda mas ainda capaz de oscilar pesadamente pela casa. Uma figura decadente e alienada em sue próprio microverso.

Se a evolução seguisse seu curso, hoje teríamos um tipo de mulher robusta, relativamente saudável, forte e apta a conceber, gerar, amamentar e constituir assim, uma descendência múltipla.

Mas seria uma evolução justa?

Seria justo então, para uma mulher, ser limitada a capacidade de dar a luz, passar meses se recuperando para parir de novo e então engordar no processo?

Foi então, em meio a essa questão boba, que me veio à mente ‘Jane Eyre’ e as personagens da srta. Brontë .

A heroína da srta. Brontë é pequena e insignificante em comparação a Blanche e Maria (outras personagens, outras histórias, mesmo sentido), ambas esguias e altas.

Segundo a minha amiga, quando leu ‘Jane Eyre’ – ela tinha 12 ou 13 anos e estava, segundo ela, completamente mergulhada no ideal de magreza – Ela pensou: “Isso é ridículo, é claro que ele vai escolher Jane, ela é menor!” e é até isso que acontece… mas depois de uma boa dose de drama, desencontros e blá blá blá.

Meu ponto é: a narrativa central retrata a emancipação da mulher e de seu espírito. É como uma resposta às personagens submissas de Jane Austen que, segundo a srta. Brontë , eram mulheres ridículas, inaptas ao trabalho e cuja única função era a de reprodução. ‘Jane Eyre’ mostra um tipo de mulher que é perfeitamente capaz de trabalhar e ter uma vida independente de um homem para sustentá-la. Uma mulher que é… magra.

O livro foi um sucesso entre as senhorinhas vitorianas.

O que só vem mostrar a você que a srta. Brontë tem lá sua parcela de culpa na criação do ideal de magreza.

Pensando nos dias de hoje, ainda são as combinações de razões históricas e de classe que ditam o tal ideal: as mulheres de mais posses – independente de serem ricas – são quem podem pagar por lazer e exercícios. Só elas podem ser verdadeiramente magras. As mulheres da srta. Brontë indiretamente, criaram a regra de que ‘fina’ significa ser rica, magra e jovem. Não há nada a ver com fertilidade, tampouco a ver com ‘revoluções evolucionárias’. Tem a ver com concepção manca de estética e preferência da evolução do estado social.

Acho que da próxima vez que encontrar uma mulher que esteja preocupada com sua gordura corporal, vou chamá-la e lhe lembrar de que ‘peso’ não é símbolo de status, tampouco beleza. E que a melhor maneira dela ser bonita é apenas ser auto-confiante.

Licença Creative Commons
De Meninas Finas e de Bons Traços by Rodrigo do Porto Neves is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas 3.0 Unported License.